O Setor Elétrico e os Impactos da Covid-19
Por J. Roberto Martins e Adam Milgrom, sócio e associado do grupo de Direito Público e Regulatório de Trench Rossi Watanabe, respectivamente
A Covid-19 vem gerando impactos ao setor elétrico, além de inúmeras incertezas.
Em Reunião Pública Extraordinária realizada em 24 de março de 2020, a diretoria da ANEEL aprovou diversas medidas para garantir a continuidade do serviço de distribuição de energia elétrica durante o período da pandemia da Covid-19. As medidas terão validade de 90 dias, podendo ser prorrogadas. Dentre as principais medidas estão: suspensão temporária de atendimento presencial ao público por parte das distribuidoras; vedação à suspensão do fornecimento por inadimplências de unidas consumidoras residenciais urbanas, rurais e de serviços essenciais; e priorização e preservação do fornecimento de energia aos serviços e atividades essenciais (no âmbito do Decreto n° 10.282/2020 e do artigo 11 da Resolução Normativa 414/2010) por parte das concessionárias.
A ANEEL também publicou a Portaria n° 6310/2020, no dia 25 de março de 2020, em que estabelece determinadas medidas com relação aos prazos processuais por 30 dias. De toda forma, as decisões da ANEEL continuarão a ser publicadas normalmente por meio eletrônico. A Portaria também suspende o atendimento presencial e estabelece que as reuniões deliberativas da Diretoria serão exclusivamente virtuais até o dia 28 de abril de 2020. As sustentações orais poderão ser realizadas por vídeo gravado pela parte e encaminhado à ANEEL. Por fim, a Portaria determina a suspensão por 90 dias dos prazos para entrega, pelos agentes de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, dos demonstrativos estabelecidos no Manual de Contabilidade do Setor Elétrico – MCSE e no Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico – MCPSE.
Após um 2019 de relativa frustração no setor elétrico em razão da baixa demanda contratada nos leilões de geração, o ano de 2020 era visto com grande expectativa em relação à retomada da economia e, consequentemente, aumento da demanda de energia elétrica. No entanto, o cenário mudou radicalmente em razão da pandemia da Covid-19.
Em 30 de março de 2020 o Ministério de Minas e Energia publicou a Portaria n° 134, que postergou, por tempo indeterminado, a realização de todos os leilões de geração e transmissão programados para o ano de 2020, quais sejam: Leilões de Energia Existente “A-4” e “A-5” de 2020, Leilão de Energia Nova “A-4” de 2020, Leilão de Energia Nova “A-6” de 2020, Leilões para Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica e Leilões para Contratação de Soluções de Suprimento a Sistemas Isolados.
A crise global resultante da Covid-19 também pode impactar os projetos em construção. O atraso na construção de projetos vencedores de leilões de energia elétrica sujeita o empreendimento, no âmbito da legislação e regulação vigentes, a pesadas penalidades perante o regulador e grandes exposições no âmbito dos compromissos já assumidos com demais agentes do setor, seja na geração ou no transporte de energia elétrica.
Faz-se importante verificar uma possível exclusão de responsabilidade por atraso (ou por dificuldade ou impossibilidade de cumprimento de qualquer outra obrigação) em razão de a pandemia representar um evento de força maior.
Além disso, é fundamental que não haja um descasamento entre as cláusulas/eventos de força maior previstos nos contratos de construção e nos demais contratos através dos quais o empreendedor assumiu compromissos atrelados à operação do ativo. Caso contrário, o descasamento poderá gerar uma exposição substancial, ou por parte do empreendedor ou por parte do construtor/fornecedor.
Já no mercado livre de energia, os contratos negociados entre os grandes consumidores e geradores ou comercializadoras costumam prever cláusulas de força maior que isentam a parte que descumprir determinadas obrigações. No entanto, com o fechamento de diversas indústrias, e como vem sendo noticiado recentemente, é possível que tenhamos o acionamento dessas cláusulas de força maior, o que poderia levar o setor a uma nova onda de judicialização.
O planejamento energético, ao menos para o curto e médio prazos, está sendo repensado. Novas medidas legais e regulatórias extraordinárias poderão ser necessárias.
Recomendamos que as empresas que atuam no setor elétrico (geradoras, transmissoras, distribuidoras, comercializadoras e consumidores) monitorem eventuais novas medidas e os impactos da pandemia, bem como as condições pactuadas em seus contratos e a regulação vigente para mitigar os riscos na medida do possível.