O inadimplemento fiscal poderá não configurar crime quando praticado por força de calamidade pública
Ao final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal – naquela que talvez tenha sido a última sessão presencial para discussão de temas de grande relevância –, firmou a tese de que o contribuinte que deixasse de recolher o imposto de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, ainda que devidamente declarado, poderia praticar o crime de apropriação indébita tributária, previsto no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.
Por óbvio, naquele momento não se tinha em vista a crise sanitária e, principalmente, econômica desencadeada com a pandemia causada pelo Covid-19. Mas, com o desencadeamento da crise, inúmeros gestores empresariais encontraram-se na situação de, como medida última e extrema, optar entre o pagamento do salário de seus colaboradores, além de outras obrigações essenciais para o funcionamento da empresa, ou cumprir tempestivamente com todas as suas obrigações tributárias.
Tais práticas, em tese, de acordo com o entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal, caracterizam crime contra a ordem tributária, com pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa, além dos notórios danos reputacionais causados às pessoas jurídicas e físicas envolvidas em um procedimento criminal.
Desse modo, considerando os graves impactos causados às empresas pela atual pandemia e a excepcionalidade da situação que compromete a exigência natural de cobrança do sujeito passivo que deixa de cumprir com suas obrigações fiscais, foi apresentado na Câmara dos Deputados, no último dia 04 de junho de 2020, o Projeto de Lei nº 3.126/2020, que visa alterar a Lei nº 8.137/1990) e isentar de pena quem deixa de recolher devidamente tributos por força de calamidade pública, como a atual pandemia.
De acordo com a referida proposta legislativa, seria incluído ao artigo 2º da Lei nº 8.137/1990 o seguinte parágrafo único:
“Art. 2º (…).
Parágrafo único. É isento de pena aquele que comete o crime previsto no inciso II do caput por força de calamidade pública.”
Importante destacar que, de acordo com nosso Código Penal, a lei posterior que, de qualquer modo, favorecer o agente, aplica-se a fatos anteriores. Assim, a futura aprovação do mencionado projeto de lei poderá beneficiar empresários que, à vista do atual estado de calamidade pública, optaram por manter suas atividades essenciais e remuneração de colaboradores em detrimento do recolhimento de certos tributos no prazo legal.
A íntegra do Projeto de Lei pode ser consultada no site da Câmara dos Deputados: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1900762&filename=PL+3126/2020.