Medida Provisória 1.171/23 – Alterações na tributação de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior detidos por pessoas físicas
Em resumo
No último dia 30 de abril de 2023 foi publicada a Medida Provisória 1.171/23 (“MP” ou “MP 1.171/23”), que traz alterações para as pessoas físicas, especialmente com relação: (i) à tributação das aplicações financeiras no exterior, (ii) à criação de regras anti-diferimento para as entidades controladas no exterior e (iii) de forma inédita, à tributação dos trusts no exterior. A MP 1.171/23 também alterou os valores da tabela mensal do imposto de renda e revogou algumas disposições vigentes da legislação fiscal, incluindo isenções aplicáveis às pessoas físicas.
As novas regras serão aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 2024 (assumindo a conversão da medida provisória em lei).
Mais detalhes
1.Disposição Geral
A MP 1.171/23 estabelece que as pessoas físicas, residentes no país em 1º de janeiro de 2024, deverão tributar de forma separada e definitiva os rendimentos do capital aplicado no exterior nas modalidades de (i) aplicações financeiras, (ii) lucros e dividendos de entidades controladas (“controladas”) e (iii) bens e direitos objeto de trust para fins do Imposto de Renda da Pessoa Física (“IRPF”).
Tais rendimentos estarão sujeitos à alíquotas progressivas de até 22,5%, sem deduções, conforme tabela abaixo:
2. Aplicações Financeiras
Os rendimentos de aplicações financeiras no exterior seguirão a disposição geral, com alíquotas progressivas de até 22,5% (conforme tabela acima) sem deduções.
Tais rendimentos serão computados na Declaração de Ajuste Anual (“DAA”) e tributados quando efetivamente percebidos pela pessoa física, no momento do resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação da aplicação financeira.
A MP traz uma definição exemplificativa de aplicações financeiras incluindo cotas de fundos de investimento e apólices de seguros. Também exemplifica as hipóteses de rendimentos, incluindo a variação cambial da moeda estrangeira frente a moeda nacional.
3. Empresas controladas no exterior – regra “anti-diferimento” para pessoas físicas – Lucros auferidos a partir de 1º janeiro de 2024
A MP 1.171/23 prevê a tributação automática anual dos lucros auferidos pelas controladas no exterior (regra anti-diferimento). Ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2024 serão tributados em 31 de dezembro de cada ano, sob as alíquotas progressivas de até 22,5%, os lucros apurados com base no balanço anual da entidade controlada.
A MP 1.171/23 define como entidade controlada a sociedade e demais entidades (personificadas ou não) que a pessoa física detiver direta ou indiretamente, (i) isolada ou em conjunto com outras partes, a preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores ou (ii) isolada ou em conjunto com partes vinculadas, mais de 50% de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros ou recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.
Destaca-se que somente estarão sujeitas às regras da MP 1.171/23 as controladas (i) localizadas em país ou dependência com tributação favorecida, (ii) beneficiárias de regime fiscal privilegiado, ou ainda, (iii) que apurem renda ativa própria inferior a 80% (oitenta por cento) da renda – os rendimentos de aplicações financeiras são um exemplo de renda passiva.
Os lucros serão apurados de forma individualizada, com base no balanço anual da controlada, podendo ser deduzido o prejuízo da controlada, bem como os lucros e dividendos da investidas brasileiras detidas pela controlada no exterior.
A pessoa física, por sua vez, poderá deduzir o imposto de renda pago no exterior pela controlada e suas investidas incidente sobre o lucro computado na base de cálculo do imposto, até o limite do imposto devido no País.
A MP 1.171/23 não prevê a tributação obrigatória do “estoque” dos lucros acumulados até 31.12.2023.
Com relação à variação cambial do principal aplicado às controladas, há disposição expressa de que a mesma será tributado quando da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive no caso de devolução de capital.
4. Opção para atualização do valor dos ativos no exterior
A MP 1.171/23 confere a possibilidade das pessoas físicas atualizarem o valor dos ativos no exterior informados na sua DAA para o valor de mercado em 31.12.2022 e tributar a diferença pelo IRPF sob à alíquota definitiva de 10%.
A possibilidade de atualização é conferida para aplicações financeiras, bens imóveis (ou ativos representativos), veículos, aeronaves, embarcações, bens móveis sujeitos a registro, participações societárias e bens do trust que a pessoa física seja titular.
O imposto deverá ser recolhido até o dia 30 de novembro de 2023, sendo que a Receita Federal do Brasil irá regulamentar a forma para adoção desta opção.
Especificamente para as controladas no exterior, o contribuinte que tiver optado pela atualização do valor do ativo, poderá também optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o período de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2023, com pagamento do IRPF pela alíquota definitiva de 10%. Neste caso, o imposto de renda à alíquota de 10% deverá ser pago até 31 de maio de 2024.
5.Trusts
O trust é um instituto de common-law utilizado frequentemente para fins de planejamento sucessório no exterior, no qual o Instituidor (Settlor) confere seu patrimônio para um administrador (Trustee) que fica responsável pela gestão dos ativos e transferência ao(s) beneficiário(s), de acordo com as regras estabelecidas na escritura do trust deed e na carta de desejos. Como o trust não é instituto reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, inexistia regulamentação fiscal sobre o tema e, logo, restavam muitas dúvidas acerca da tributação envolvendo as partes envolvidas.
As principais disposições da MP 1.171/23 acerca dos trusts, em resumo, dispõem que:
- Os bens e direitos objeto de trust no exterior serão considerados sob titularidade do instituidor após a instituição do trust e passarão à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor (o que ocorrer primeiro);
- A distribuição pelo trust ao beneficiário possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação (se transferido em vida) ou transmissão causa mortis (se decorrente do falecimento do instituidor);
- Já com relação aos rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024 os mesmos serão:
a. considerados auferidos pelo titular de tais bens e direitos na respectiva data e
b. submetidos à incidência do IRPF segundo as regras aplicáveis ao titular; - O trust será considerado transparente para fins fiscais nos casos em que ele detiver uma controlada no exterior, aplicando-se as regras de tributação dispostas no item acima (das controladas).
Vale notar que a MP 1.171/23 não faz distinção entre trust revogável e irrevogável, de modo que cada situação deve ser analisada de maneira individualizada.
6.Revogações e Tramitação da MP 1.171/23
Por fim, a MP 1.171/23 revogou a possibilidade de excluir a variação cambial para o cálculo do ganho decorrente de investimentos feitos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira, bem como revogou a isenção para os ganhos no caso de alienação de bens e aplicações financeiras adquiridos na condição de não-residente.
A referida Medida Provisória, por alterar dispositivos que ensejam à cobrança de Imposto sobre a Renda, só pode exigir o recolhimento do referido tributo a partir do próximo exercício, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2024.
Com relação ao trâmite das medidas provisórias, elas produzem efeitos imediatos, contudo o seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, devendo ser convertidas em lei neste período.
Estamos acompanhando a evolução da referida medida provisória para fins de conversão em lei dentro do presente ano-calendário e seus desdobramentos.