O Marco Legal de Hidrogênio de Baixo Carbono no Brasil
Em resumo
Em 02 de agosto de 2024 foi sancionado com veto parcial o Projeto de Lei nº 2.308/2023 (“PL”), que institui o marco legal do hidrogênio de baixo carbono no Brasil. Agora sob a forma da Lei 14.948/2024 (“Lei“), o texto cria a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que integrará a Política Energética Nacional do país. A Lei estabelece, ainda, a competência da Agência Nacional do Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural (“ANP“) para autorizar, regular e fiscalizar as atividades da cadeia de valor do hidrogênio de baixa emissão de carbono, cria o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (“SBCH”) e o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (“Rehidro”), um regime tributário com o intuito de fomentar o desenvolvimento tecnológico e industrial, a competitividade e a agregação de valor nas cadeias produtivas nacionais.
O PL teve origem na Câmara dos Deputados, onde foi aprovado em novembro de 2023. No Senado, o texto foi objeto de 45 emendas e intenso debate. Aprovado no Senado em julho de 2024, o texto retornou à Câmara para reexame final, tendo sido aprovado na Câmara em julho de 2024 e submetido à sanção presidencial. Do texto aprovado no Legislativo, o Presidente de República vetou os seis artigos relacionados ao Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (“PHBC”), um programa de concessão de créditos fiscais na comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados produzidos no país.
Destacamos os principais pontos da Lei, já em vigor na data de sua publicação:
- Definição de Hidrogênio
A Lei estabelece as seguintes definições de hidrogênio, da mais genérica para a mais específica:
“Hidrogênio de baixa emissão de carbono”, definido como “o combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua emissão de GEE, conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a 7kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido)”.
O texto original previa o limite de emissões de 4kgCO2eq/kgH2, o que foi alterado na última votação no Plenário do Senado através de uma emenda de redação, gerando debate.
“Hidrogênio renovável”, definido como “hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis, incluindo o hidrogênio produzido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis, bem como hidrogênio eletrolítico, produzido por eletrólise da água, usando energias renováveis, tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo poder público”.
“Hidrogênio verde”, definido como “hidrogênio produzido por eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis, tais como as previstas no inciso XIII deste caput, sem prejuízo de outras que venham a ser reconhecidas como renováveis”. As fontes de energia renováveis previstas no inciso XIII são: biomassa, etanol e outros biocombustíveis, solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo poder público”.
- Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono – Rehidro
Com o objetivo de estimular a competitividade e o desenvolvimento tecnológico e industrial, a Lei implementa o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.
É considerada beneficiária do Rehidro a pessoa jurídica que, no prazo de até 5 (cinco) anos, a partir de 1º de janeiro de 2025, seja habilitada para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. A Lei também considera passível de habilitação a pessoa jurídica que já atue na produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono à época de sua publicação.
Ainda, é equiparada à beneficiária do Rehidro a pessoa jurídica coabilitada que exerça atividade de acondicionamento, de armazenamento, de transporte, de distribuição ou de comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono; que se dedique à geração de energia elétrica renovável para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e atenda aos critérios previstos em lei; ou que se dedique à produção de biocombustíveis (como etanol, biogás ou biometano) para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
O principal instrumento de incentivo instituído pelo Rehidro é a suspensão, por 5 (cinco) anos, a contar de 01 de janeiro de 2025, da incidência do PIS/Pasep e Cofins sobre as atividades relacionadas ao hidrogênio de baixa emissão de carbono exercidas pelos seus beneficiários.
- Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio – SBCH:
Outro tema de relevância é a instituição do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio, que prevê adesão voluntária ao pelos produtores de hidrogênio (ou seus derivados produzidos no território nacional). Em termos de governança, além do produtor e comprador, fazem parte desse sistema as autoridades competentes e reguladoras, bem como empresas certificadoras, instituição acreditadora e gestora de registros, com suas atribuições previstas pela Lei.
O certificado a ser emitido terá o objetivo de informar a intensidade de emissões relativas à cadeia de produção do hidrogênio.
- Competência regulatória:
A Lei prevê que as atividades de produção de hidrogênio, seus derivados e carreadores serão exercidas por meio de autorização, por empresas ou consórcios de empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. Contudo, a autorização poderá ser dispensada conforme hipóteses a serem previstas em regulamento, em especial quanto ao volume produzido e ao uso do hidrogênio como insumo.
A Lei atribui à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis a competência para regular, autorizar e fiscalizar a exploração e produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono, em respeito às atribuições das demais agências reguladoras, no limite das fontes utilizadas no processo. A ANP poderá, ainda, utilizar o arranjo denominado sandbox regulatório (ou ambiente regulatório experimental) para elaboração de normativos, sendo também autorizada pela Lei a adotar soluções individuais até que a regulação infralegal específica do setor seja editada.
À Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL competirá (i) oferecer contribuições à ANP para a regulação do setor; e (ii) emitir a declaração de utilidade pública para as áreas necessárias às instalações de transmissão e distribuição de energia elétrica de interesse restrito de agente outorgado que não sejam destinadas ao acesso ao sistema de transmissão ou distribuição, desde que sejam dedicadas ao suprimento exclusivo de projetos de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
- Veto ao Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e Investimentos:
O texto original aprovado no Congresso previa a instituição do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e Investimentos (PHBC), com a concessão de créditos fiscais aos compradores e produtores de hidrogênio de baixa emissão de carbono, que chegariam ao montante de R$18,3 bilhões (dezoito bilhões e trezentos milhões de reais) até 2032. Originalmente o texto previa que os créditos concedidos seriam relacionados à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).
No entanto, durante a tramitação do PL os artigos que previam a vinculação dos créditos fiscais à CSLL foram suprimidos. Assim, sob a justificativa de violação das regras orçamentárias e fiscais, a Lei foi sancionada com veto aos artigos 30 a 35, todos referentes ao PHBC.
Por previsão constitucional, Câmara e Senado têm o prazo de 30 dias para deliberarem, em conjunto, sobre a manutenção dos vetos. O prazo encerra-se em 01 de setembro de 2024.
- Proposição do Projeto de Lei 3.027/2024 – Adequação do PHBC:
Como alternativa à lacuna deixada pelos vetos presidenciais foi realizado acordo entre o Congresso e o Governo Federal para propositura de um novo projeto de lei tratando exclusivamente do PHBC.
Proposto, então, pelo deputado José Guimarães (PT/CE) em 02 de agosto de 2024, o Projeto de Lei 3.027/2024 atualmente tramita perante a Câmara dos Deputados e terá o objetivo de alinhar adequadamente a matéria que foi vetada.
Segundo a redação do Projeto de Lei 3.027/2024, no total, R$18,3 bilhões (dezoito bilhões e trezentos milhões de reais) de créditos fiscais poderão ser distribuídos no intervalo de 2028 a 2032, a partir dos seguintes limites globais:
2028 – R$ 1,7 bilhão
2029 – R$ 2,9 bilhões
2030 – R$ 4,2 bilhões
2031 – R$ 4,5 bilhões
2032 – R$ 5 bilhões
O Projeto de Lei 3.027/2024 prevê que será de competência do Poder Executivo a definição do montante de créditos fiscais que serão concedidos aos projetos, observadas as metas fiscais e os objetivos do programa a cada ano-calendário. Ainda, estabeleceu-se que a concessão de créditos será precedida de procedimento concorrencial, em que só poderão participar os projetos previamente habilitados, nos termos de regulamento.
O Projeto de Lei 3.027/2024 também recupera os requisitos originalmente previstos no PL 2.308/2023 para que os projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono sejam elegíveis à concessão dos créditos fiscais do PHBC, quais sejam:
I – contribuição ao desenvolvimento regional;
II – contribuição às medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima;
III – estímulo ao desenvolvimento e difusão tecnológica; ou
IV – contribuição à diversificação do parque industrial brasileiro.
Tramitando sob regime de urgência, o Projeto de Lei 3.027/2024 foi aprovado na Câmara dos Deputados em 12 de agosto de 2024. O projeto agora será enviado ao Senado e, se aprovado, estará pronto para a sanção presidencial.